No acampamento Planalto do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), onde barracos de lona cobrem uma extensa área de um terreno de 70 mil m² da Construtora MZM, em São Bernardo, o clima nos últimos dias é de tensão e expectativa. Depois de amanhã, quando se completa um mês da invasão, três dos cinco desembargadores da 20.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo devem julgar a reintegração de posse determinada pelo juiz Fernando de Oliveira Ladeira, da 7.ª Vara Cível de São Bernardo. A restituição foi pedida pela dona da área e contestada pelo MTST.
“Temos a expectativa de que a Justiça considere o fato de que esse terreno estava abandonado, sem cumprir função social por 40 anos e, portanto, que a construtora não exercia a posse”, disse o líder do MTST Guilherme Boulos. “E que a Justiça considere a gravidade que é determinar um despejo para mais de 7 mil famílias sem uma saída negociada.”
Para Boulos, “se a aposta, seja do Judiciário, seja do governo ou da prefeitura, for no conflito, no enfrentamento, e determinarem retirada, o despejo, sem nada, sem nenhuma solução, evidentemente pode gerar uma situação de resistência”. E emendou. “E, talvez, cinco anos depois, teremos um novo Pinheirinho no Estado”, completou Boulos, referindo-se ao episódio da desocupação de um terreno em janeiro de 2012 em São José dos Campos.
Preparação
Segundo Joel dos Santos Carvalho, um dos coordenadores do acampamento, o número de famílias já chega “a 10 mil famílias”. Percorrendo as ruas improvisadas entre os barracos vazios, sob o forte sol do início da tarde de quinta-feira, ele afirmou que se trata da “maior ocupação já feita pelo MTST”. Carvalho contou que os sem-teto são de São Bernardo, mas há gente também de outros municípios. “Temos do Jabaquara, zona leste (São Paulo), Diadema e daqui”, disse.
Ele afirma que todos os dias os sem-teto se reúnem no fim da tarde em assembleias, e hoje e amanhã devem ocorrer eventos para os acampados. Carvalho, que integra o comitê de “autodefesa”, a segurança do acampamento, repete o bordão dos sem-teto de “resistir” no local e não admite uma eventual desocupação da área. Entre os acampados, muitos já temem que a decisão da 20.ª Câmara confirme o despejo.
“Nós estamos confiantes na luta”, declarou Andreia Barbosa da Silva, outra líder da organização do acampamento, avisando que as inscrições na lista do Planalto foram encerradas. Na quarta-feira, de acordo com ela, houve reunião com representantes da Construtora MZM para expor à empresa detalhes do plano de construção de habitações que o MTST administra usando o programa de financiamento Minha Casa Minha Vida (MCMV)/Entidades – Faixa 1, linha de financiamento com objetivo social muito usada pela organização dos sem-teto nos tempos do governo Dilma Rousseff, ainda em vigor na Caixa. Na Faixa 1, a Caixa subsidia o apartamento até R$ 95 mil.
Os prédios do conjunto João Cândido, em Taboão da Serra, por exemplo, já habitados por militantes do MTST, são um modelo do tipo de construção coordenada pelo movimento. Há ainda o acampamento Copa do Povo, na zona leste de São Paulo, com 2.670 unidades, cuja construção está prevista para ser iniciada em dezembro, além do empreendimento Pinheirinho do ABC, em Santo André, com outros 930 apartamentos. “Nós organizamos os trabalhadores sem-teto que precisam de moradia”, disse Andreia. “São pessoas desempregadas, 90% aqui mesmo do município”, acrescentou.
Para o advogado João da Costa Farias, da MZM, porém, não há a mínima hipótese de negócio da área com o MTST. “Não há nenhum acordo com eles e não há nenhuma chance de negociar a área com eles”, afirmou. “A empresa espera que se cumpra a lei e haja a reintegração de posse do terreno”, declarou o advogado.
Ele disse ainda que “já há planos de construção de várias torres para o terreno”. De acordo com o representante da MZM, “eles (os sem-teto) ficam aí espalhando que a Caixa pode comprar, mas isso está afastado, sem chances”, insistiu. De acordo com o advogado, o terreno da MZM está no meio de uma disputa política entre líderes locais do município.
‘Sem pressão, sem mobilização dos movimentos, não sai’
Segundo o líder do MTST, Guilherme Boulos, movimento invade áreas porque essa é a forma de pressionar por uma política habitacional
Com o modelo de invasão de terrenos que já oferece moradia após a ocupação, o MTST não está atropelando a legislação ou, então, virando uma “empresa”?
Isso está parecendo mais um interrogatório do Sérgio Moro (juiz) do que uma entrevista. Mas vamos lá. Não se trata nem da ideia de cliente e muito menos de associação com o mercado. O MTST considera moradia direito social, exatamente por isso que luta pelo MCMV Faixa 1, que é altamente subsidiado, diferente de todo o mercado imobiliário. O movimento ocupa, e isso é a característica do MTST em seus 20 anos – não surgiu agora em São Bernardo do Campo. Ocupa porque essa é a forma de pressionar por uma política habitacional que está seca. Sem pressão, sem mobilização dos movimentos sociais, não sai. Basta ver a história. O que, inclusive, gerou as políticas habitacionais do Brasil. A ocupação é uma forma de pressionar o poder público para fazer o que ele deveria fazer sem ocupação, que é política pública de habitação.
Por que ocupar agora terreno que esteve desocupado durante a gestão do PT? Não seria mais fácil ter conseguido a área com a ajuda de um governo aliado?
Esse argumento que tem sido usado, que o movimento é do PT, que é partidário, é totalmente falacioso e ignora os fatos da história do MTST. O movimento fez ocupação recente em Santo André, durante a prefeitura do PT, do Grana (Carlos Alberto Grana), inclusive isso virou um empreendimento, o Novo Pinheirinho. O MTST fez inúmeras ocupações durante a gestão do Haddad (Fernando) em São Paulo. E fez tantos outros enfrentamentos com o governo federal, do PT, durante a luta por política pública de habitação. Você acompanhou isso? Seja no Plano Diretor em São Paulo, seja no período da Copa do Mundo… Isso é argumento leviano e irresponsável de setores do PSDB que querem tapar o sol com a peneira por não terem uma política habitacional em São Bernardo do Campo. O MTST é autônomo e tem na sua trajetória o foco na luta pela moradia independentemente de qual partido esteja no governo e a história é recheada de fatos que comprovam isso. A ocupação neste momento, em São Bernardo, tem a ver com organização de demanda. A crise social está se agravando no País e, com isso, mais e mais pessoas têm procurado o MTST para fazer a luta por moradia. Houve uma procura maior pelo movimento nessa região e isso causou a ocupação, como tem gerado também em outras prefeituras que têm sido geridas pelo PT – e é importante que se ressalte isso.
Moradores da área, que são contra a presença do MTST no local, dizem que em abril já viam placa no terreno anunciando o MCMV. Portanto, já destinado para habitação social. O que mudou para que o MTST entrasse no local?
Este terreno, até onde nós temos conhecimento, estava destinado para um projeto que, aliás, fracassou, de faixa 2 do MCMV. As faixas 2 e 3 são reservadas a setores médios, não a quem mais precisa. Isso, por si só, seria um empreendimento imobiliário para quem tem condições de pagar – e mesmo esse empreendimento não prosperou, tanto é que o terreno permaneceu vazio e quando entramos lá não havia placa nenhuma porque esse projeto da MZM não foi adiante.
O modelo para o acampamento Planalto, em São Bernardo, seguirá outros projetos do MTST, como o bairro João Cândido, do Taboão, com unidades de 54 e 63 metros quadrados?
Nós ainda não iniciamos um projeto arquitetônico porque há um litígio.
Qual o valor necessário para esse projeto?
O valor do MCMV é fixo. O MCMV paga em São Paulo R$ 95 mil por unidade.
‘É uma ocupação política’, avalia morador vizinho
“É uma invasão política”, diz o consultor de tecnologia Marcos Pasin, que mora em uma das torres do condomínio existente ao lado da invasão. Ele é integrante do Movimento Contra a Invasão em São Bernardo (MCI), criado por vizinhos da área da MZM que temem a desvalorização dos imóveis e acompanham o crescimento do acampamento pela janela.
Pasin afirmou que os colegas do MCI acompanham também o andamento do caso na Justiça. De acordo com ele, “a maioria dessas pessoas não tem a ver com moradia de São Bernardo”. “Basta ver que durante o dia não fica quase ninguém aí”, acrescenta, olhando pela janela de casa para o mar de barracos que cobre o terreno.
De acordo com um consultor de imóveis da região, o valor do metro quadrado de terreno na região está entre R$ 850 e R$ 1 mil. Já o metro quadrado construído estaria na faixa dos R$ 3,5 mil a R$ 5,5 mil.