São Caetano abriga, em seu quadro público, servidores municipais que recebem valores acima da quantia paga ao prefeito José Auricchio Júnior (PSDB), que conta mês a mês com subsídios brutos de R$ 20.000,00, convertidos em valor líquido (com descontos) de R$ 14.928,24. Pelo Portal da Transparência, o Repórter Diário teve acesso a esses cargos, tanto concursados como comissionados, e seus respectivos ganhos. O governo, porém, nega que haja funcionários com salários maiores ao do chefe do Executivo.
Por meio do Portal da Transparência, o morador de São Caetano pode ver os valores destinados, no mês de maio, por exemplo, ao diretor de departamento do gabinete do prefeito, cargo em comissão, com ganho bruto de R$ 21.280,00 (convertido em valor líquido de R$ 15.856,24). No mesmo setor e período, o “assessor de gabinete-coord. ação social” recebeu R$ 25.200,00 (R$ 18.698,24).
Em maio, o diretor de departamento da Secretaria de Serviços Urbanos contou com valor base de R$ 21.281,07 (R$ 16.013,72 com descontos). No site, é possível encontrar funcionários estatutários, nomeados via concursos públicos, com rendimentos superiores ao chefe do Executivo. Em São Caetano, o salário bruto padrão dos secretários municipais é de R$ 19.000,00 (cerca de R$ 14.000,00 líquidos).
Pelo site, também é notável a variação salarial de um mês para outro. Em janeiro, por exemplo, o servidor ocupante do cargo estatutário, denominado “chefe de sec. do serv. municipal trans.” registrou montante bruto de R$ 64.752,33 – advindo de decisão judicial –, mas teve em descontos R$ 48.810,56, recebendo no fim R$ 15.941,77. Desde abril, o funcionário, porém, ganha, ao todo, R$ 30.835,12 (R$ 20.000,00 com descontos).
O quadro pode ir contra ao discurso de austeridade adotado pelo próprio Auricchio, que rotineiramente nesse início de governo, atesta o cenário crítico das finanças de São Caetano, como herança do antecessor Paulo Pinheiro (PMDB). O tucano fala em “choque de gestão” na revisão de contratos com terceirizadas e também dos recursos humanos do funcionalismo público.
Em um vídeo publicado na sua página pessoal do Facebook, na quarta-feira (07), Auricchio diz que o “ajuste econômico” é realizado no quadro de funcionários. “É doloroso, não há satisfação em mandar alguém embora, mas a Prefeitura foi obrigada a fazer um grande corte. Foram perto de 2 mil pessoas que se desligaram da Prefeitura, infelizmente estava fora da perspectiva orçamentária da cidade”, afirma.
Em nota, a Prefeitura de São Caetano alega que nenhum servidor municipal pode receber salário líquido acima do prefeito. Em casos de cargos de livre provimento, ou seja, comissionados, pode haver benefícios como adicional por nível universitário, e portanto, apresentariam salário bruto além do teto. O governo ainda atesta a existência de outros casos nos quais o vencimento se soma a uma decisão judicial.
Segundo o inciso 11º do artigo 37 da Constituição Federal, o limite salarial de um servidor municipal é o subsídio mensal do prefeito. No entanto, existem brechas na legislação nas quais permitem exceções, entre as mais conhecidas, as remunerações dos procuradores municipais, cujo teto é baseado nos vencimentos dos desembargadores. Além desses casos, há outros dispositivos que podem elevar o ganho de um funcionário.
Para especialistas consultados pelo RD, o valor fixo do salário referente a um determinado cargo municipal obrigatoriamente deve se manter abaixo do teto do subsidio do prefeito. Entretanto, há como ampliar os ganhos brutos e líquidos em relação ao chefe do Executivo, como vantagens obtidas por meio de um plano de carreira, adicionais por tempo de serviço, por nível universitário e periculosidade, determinação judicial e outros.
Portal da Transparência impõe dificuldades
Apesar das explicações do Palácio da Cerâmica, sem os detalhes que compõem os ganhos dos servidores no Portal da Transparência, o cidadão de São Caetano fica impedido de averiguar se existem ilegalidades. “É difícil dizer o que é lícito e ilícito quando não há a discriminação da composição do salário. É possível que haja alguns casos fora do teto (legal), mas impossível apontar qual sem essa composição”, pondera o especialista em direito público, Ariosto Mila Peixoto.
A reportagem buscou o acesso aos valores discriminados que compõem a remuneração do servidor, a fim de averiguar quais tipos de adicionais estão inclusos ao salário, mas não conseguiu tais informações pelo Portal da Transparência. Em seguida, a Prefeitura de São Caetano foi procurada a fim de esclarecer se era possível obter esses dados pela página, porém, sem retorno. O site apenas destaca o valor bruto (que pode incluir férias, cesta básica, vale transporte, gratificações, entre outros), o desconto e o valor líquido.
Para o professor titular da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Floriano Peixoto de Azevedo Marques, a falta de detalhes sobre a composição remuneratória pode ser uma irregularidade. “(O governo) Tem o dever, pela Lei de Acesso à Informação, de discriminar e trazer todas as informações e controle sobre os gastos públicos. Se há uma decisão judicial, coloca lá (no Portal), discriminando a indenização judicial e o subsídio”, pontua.
O presidente da organização civil Observatório Social de São Caetano do Sul, Mario Camilo Bohm, reclama que Auricchio não cumpriu com o termo de compromisso, assinado em agosto do ano passado, de implantar as diretrizes da Carta de Transparência. “Já solicitamos várias alterações no Portal da Transparência, para deixá-lo acessível, sem precisar usar a matrícula para acessar o nome do funcionário”, lembra.
Hoje, caso o morador de São Caetano queira ter acesso ao nome do servidor, basta clicar o link “Consultar nome” ao fim da lista de cargos (que somente informam a função, matrícula, valor bruto, desconto e valor líquido). Em seguida, o cidadão preenche, com próprio o CPF e RG, os espaços disponibilizados na página e escreve a matrícula do funcionário, a seguir ver a identidade do servidor.
Nota da Redação – Explicações da Prefeitura de São Caetano
Em resposta à publicação da matéria, a Prefeitura de São Caetano enviou uma nota de esclarecimento, afirmando que a reportagem não publicou todas as explicações apontadas pela assessoria do governo. Portanto, para que não haja dúvidas, o Repórter Diário publica, na íntegra, as duas notas enviadas pelo Executivo, uma antes e outra posterior à publicação da reportagem. Cabe ressaltar que O RD mantém as informações publicadas, sempre pautadas com compromisso, respeito ao leitor e bom jornalismo.
Nota do dia 7 de junho
O salário-base do prefeito José Auricchio Júnior é de R$ 20.000,00. Nenhum servidor pode receber líquido valor acima desse limite. Assim, aqueles que ocupam cargos de livre provimento, e que por isso podem ter benefícios como adicional por nível universitário, e que apresentam salário bruto acima do teto, têm o excedente glosado. Portanto, nenhum funcionário da Prefeitura de São Caetano do Sul ganha acima do prefeito – exceto em casos de decisão judicial.
Nota do dia 09 de junho
Sobre a reportagem publicada neste jornal no dia 9/6/2017, com o título “Funcionários de São Caetano ganham mais que Auricchio”, a Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul vem esclarecer que:
Quando procurada pelo repórter Bruno Coelho, a Prefeitura enviou nota oficial apontando, de maneira bastante clara, o equívoco que era a “notícia” trazida pelo repórter, de que há funcionários que ganham mais do que o prefeito. A resposta original da Administração trazia um item fundamental para esclarecer a questão. No entanto, ele foi estrategicamente suprimido, por razões que não sabemos exatamente elucidar, assim como a colocação da resposta da Prefeitura somente no encerramento do texto.
Na nota oficial, a Prefeitura informava que, se um funcionário tem um salário bruto acima do teto (os vencimentos do prefeito), por benefícios adquiridos por tempo de serviço, nível universitário, entre outros, automaticamente é feita a glosa, ou corte do valor excedente. As exceções são medidas da Justiça Trabalhista que são cumpridas. Sendo assim, como bem explicado na nota reproduzida abaixo, funcionários da Prefeitura de São Caetano do Sul não ganham mais do que o prefeito, ao contrário do que afirma o Repórter Diário.
Ainda na mesma reportagem e no Editorial, há críticas ao Portal da Transparência do município. Ao que parece o jornal estabelece critérios próprios ou de entidades parceiras sobre o que é transparência. Informamos que a Prefeitura se pauta pelas determinações do Tribunal de Contas do Estado, está de acordo com a Lei de Acesso à Informação e segue determinações do Ministério Público, que apontou falta de informações no Portal alimentado pela gestão passada. Assim, a partir deste mês, o Portal da Transparência começou a disponibilizar os salários brutos, com desconto e o valor líquido, inclusive dos servidores terceirizados. Situações individuais podem ser solicitadas por meio de requerimento de acesso a informações. A divulgação de nomes e detalhes particulares é tema de divergências jurídicas, por conta de privacidade e segurança das pessoas. Reiterando que esses dados podem ser solicitados por meio do requerimento de acesso a informações, com identificação do solicitante.
A Prefeitura de São Caetano do Sul reafirma seu compromisso com a população em relação à transparência de seus atos. Em cinco meses de gestão, criou o Diário Oficial Eletrônico, aumentou as informações no Portal da Transparência e está em fase final para envio à Câmara de projetos que criam a Controladoria Geral do Município e a Lei Anticorrupção.
Em nome do bom jornalismo, que presta serviço e não desserviço aos leitores, solicitamos o esclarecimento desses fatos.