Por 9 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (26/04) que as universidades públicas podem cobrar mensalidade em pós-graduação lato sensu. Assim, fica garantida a manutenção de 501 cursos de especialização, extensão e MBA ofertados nas três instituições estaduais paulistas – USP, Unicamp e Unesp -, que têm, juntas, cerca de 30,5 mil estudantes.
A decisão do STF abarca apenas as pós-graduações lato sensu, ou seja, não incluem mestrados e doutorados, que continuam gratuitos. O entendimento da Corte foi o de que a garantia constitucional da gratuidade de ensino superior não impossibilita a cobrança de mensalidades em cursos de pós.
“A universidade pode contar, por expressa previsão constitucional, com recursos de origem privada. Ademais, embora não disponham de competência para definir a origem dos recursos que serão utilizados para a manutenção e o desenvolvimento do ensino, podem elas definir quais são as atividades de pesquisa e extensão passíveis de realização em regime de colaboração com a sociedade civil”, defendeu o ministro Edson Fachin, relator do processo.
Acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux e a presidente do STF, Cármen Lúcia. “Não se está obrigando que (especialização) seja gratuito ou não se está obrigando o pagamento, apenas se está permitindo (a cobrança de mensalidade), inclusive a universidade podendo ter cursos de extensão cobrados em alguns casos e gratuitos em outros”, observou Cármen.
O único voto contrário foi proferido pelo ministro Marco Aurélio Mello. “A gratuidade é o toque de caixa que estabelece o acesso alargado, não beneficiando apenas aos mais afortunados dos cidadãos em geral”, disse Marco Aurélio. Para ele, os centros de ensino passarão a ser híbridos, a um só tempo públicos e privados, “mediante a cobrança desses cursos, que só estarão ao acesso daqueles que possam pagar a mensalidade”.
A questão era polêmica. No fim de março, o plenário da Câmara havia rejeitado Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitia a cobrança. Juízes federais também vinham rejeitando a medida.
No caso em discussão no STF, a Universidade Federal de Goiás (UFG) recorreu de decisão desfavorável do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, que considerou inconstitucional a cobrança de mensalidade. Um dos alunos havia conseguido na Justiça Federal de Goiás uma decisão contra a cobrança, mesmo depois de já ter efetuado a matrícula. Como o processo tem repercussão geral, o entendimento firmado ontem pelo STF valerá para casos similares em todo o País.
Vicente Ferreira, diretor-geral do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio (UFRJ), comemorou a decisão. Segundo ele, esse tipo de curso é oferecido pela UFRJ há mais de 50 anos. “É uma atividade muito natural para algumas áreas, como as de engenharia e de negócios.
São Paulo
A USP, que oferta de MBAs (com duração de três anos) a aulas de Ikebana (arte japonesa de arranjo floral), abriu apenas neste primeiro semestre 331 cursos com cobrança de mensalidades. Foram 18.923 vagas, com reserva de 10% para bolsas integrais. Ao término de cada programa, os departamentos repassam 10% do valor arrecadado para um fundo, que garante a manutenção da infraestrutura. Como os valores são repassados apenas ao fim dos cursos, a USP ainda não tem o total recebido em 2015 e o ano passado. Em 2014, a instituição arrecadou cerca de R$ 55 milhões com a cobrança de mensalidades de 536 cursos.
Na Unicamp, em 2016, havia 342 cursos com cobrança, com cerca de 10 mil alunos matriculados. Com eles, a universidade arrecadou R$ 20,5 milhões. Miguel Juan Bacic, diretor da instituição, disse que, sem a cobrança, não seria possível a oferta dos cursos. Segundo ele, o valor cobre os custos das aulas, que podem variar entre R$ 6 e R$ 36 hora/aula. Só neste ano, a universidade já abriu vaga para 161 cursos – o mais caro é uma especialização em Ortodontia, com custo total de R$ 56,1 mil. Segundo Bacic, a Unicamp oferece 25% das vagas com bolsas integrais e 25% com parciais, para pessoas de baixa renda.
Já a Unesp oferece, desde 2014, 47 cursos de especialização lato sensu, com bolsa para 40% dos 1,5 mil alunos. Com o valor arrecadado, que varia entre R$ 250 e R$ 1,9 mil, a instituição diz custear os programas e financiar programas de inclusão social de alunos da graduação.
Preço é menor que o das universidades particulares
O advogado Matheus Auler, de 25 anos, começou no ano passado uma especialização em Economia Financeira na Escola de Extensão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que oferece pós lato sensu desde 1989. Para ele, o custo e os professores são os diferenciais.
“O preço é muito menor do que o cobrado em faculdades particulares, e os professores são muito qualificados e têm o reconhecimento do mercado por ser uma instituição pública de renome”, disse Auler, que se graduou na rede privada. O advogado paga R$ 422 de mensalidade – o custo total é de R$ 8 mil.
Segundo a Unicamp, metade dos professores dos cursos de pós graduação lato sensu pagos é da própria instituição. Profissionais atuantes no mercado de trabalho compõem a outra parte.
Auler já vê vantagens na pós. “O curso não é muito acadêmico e tem me ajudado a enxergar de forma diferente o trabalho”, conta o advogado.