Papai Noel, Papai Noel!”, comemorava o rapaz na motocicleta, enquanto andava pela estradinha de terra na região de Barretos, a 420 km de São Paulo, equilibrando na sua frente dois cachorros perdigueiros e na garupa, um javali. O animal invasor que se espalhou pelo País em sua versão original e em híbridos, como o javaporco, é o único que tem a caça autorizada no Brasil. E vai “fazer” a ceia de Natal de muitas famílias.
O que por um lado é um drama ambiental de dimensões inéditas para uma espécie invasora – o bicho já foi registrado em 563 municípios brasileiros e em 11 Estados mais o Distrito Federal, além de estar presente em 45 unidades de conservação -, por outro virou a diversão de muita gente que se ressentia da proibição geral da caça esportiva. “Sempre foi tradição na minha família. Desde o meu bisavô, meu tataravô. Caçar regularizado é a melhor coisa”, conta o estudante de Zootecnia Luiz Fernando Gomes, que já tinha separado uma fêmea para a ceia com a família.
Acompanhando o pai nas caçadas desde que tinha 9 anos, ele chega, às vezes, a sair ao longo da semana inteira em “rodadas” – ações noturnas em que os caçadores circulam por dentro de plantações atrás do bicho, que se alimenta à noite – e com cachorros durante o dia, quando os porcos estão menos ativos e escondidos na mata ou no meio do canavial e só são detectados pelo faro dos perdigueiros.
A diversão, no entanto, se apressa a dizer, é só consequência de um importante trabalho de controle da praga na agricultura. “Um vizinho que planta laranja implora para eu ir lá. Pode caçar todo dia, o ano inteiro, e a gente não consegue acabar com o bicho”, afirma Gomes, sobre uma fazenda em Colina. Relatos assim existem por todo lado não apenas no interior de São Paulo, mas em todo o centro-sul do Brasil, com suspeitas sendo investigadas no Norte e no Nordeste.
Suinocultor criou o javaporco
O suinocultor que trouxe javalis para o País, há cerca de 25 anos, acabou surpreendido. “Quem importou estava acostumado a ver um porco doméstico com seis meses de idade atingir 100 quilos. O javali atinge 60 kg em média. A taxa de aproveitamento do porco também é muito maior. Depois de limpo, vai dar uns 70 kg de carne. Já o javali rende só uns 50%. Além disso, a carne de javali é mais cara, não é todo mundo que pode pagar”, descreve o ecólogo Felipe Pedrosa, doutorando da Unesp de Rio Claro, sobre o início do problema.
“Aí o produtor tentou salvar o negócio e cruzou o javali com porcas. Esse cara fez o javaporco, chegando fácil a 120 kg. O bicho era bem maior, mas continuava sendo muito agressivo. Alguns fugiram, outros simplesmente foram soltos pelos criadores nos mais diferentes lugares.” Sem predadores naturais – só onças, em extinção – a multiplicação foi rápida.