Para artistas de rua, promover a arte é trabalhar com a política do dia a dia

De segunda a sexta, Diego Cosamores toca violino nos vagões dos metrôs de São Paulo por pelo menos quatro horas. Ele passa pelas três linhas públicas do Metrô. Na vermelha, encontra usuários atentos, mas que não se envolvem. Na azul, os passageiros são interativos e, na verde, trafega um pessoal mais fechado.

Violino Viajado, como Cosamores é conhecido no meio artístico, é um entre os 61% dos artistas de rua que se apresenta na categoria de música, segundo relatório do Observatório do Turismo de 2011. A partir de um repertório baseado na rítmica brasileira e na improvisação, Cosamores pretende promover a conscientização da política no dia a dia das pessoas. “Meu propósito no metrô é gerar espaço de contato com as pessoas. Quero incentivá-las a perceber que o espaço do metrô é mais que uma área de passagem.”

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Cosamores lembra que desde as manifestações de junho de 2013, quando as opiniões alcançaram à flor da pele do brasileiro, a receptividade das pessoas em relação à política aumentou. O violinista, que mudou-se de Brasília para São Paulo há três anos, observa que as pessoas estão mais sensíveis ao assunto. “Antes ficavam quietas e agora querem discutir, seja para discordar ou para concordar. As pessoas têm se manifestado e é notório um desejo maior de se expressar.”

As atuações artísticas nos vagões do metrô são as maiores fontes de renda de músicos como Cosamores, que recebem pouca remuneração em projetos e shows paralelos. No entanto, o ‘passa chapéu’, como é definida a prática de arrecadação de dinheiro em troca da música, é proibido pelo Metrô de São Paulo.

A argumentação institucional é que esse tipo de manifestação, com potencial de geração de renda, incomoda os usuários. “A companhia não autoriza manifestações em que os ‘artistas’ aproveitam para solicitar gorjetas, pois incomodam os usuários. Os funcionários do Metrô estão orientados a informar que essa prática é irregular e solicitar o encerramento da apresentação”, afirmou a assessoria de imprensa.

Na nota, o Metrô ainda informou ser favorável à liberdade de expressão e incentivar ações culturais em instalações organizadas para visitação pública nas estações, mas não no vagão. “Os espaços para as apresentações gratuitas são cedidos sem custo, mediante cadastro e autorização prévia, de modo a não interferir na operação do transporte bem como na circulação, comodidade e segurança dos passageiros.”

Para Fernando Burgos, pesquisador de política pública cultural da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é possível pensar em uma política de conciliação de respeito do espaço público e respeito às manifestações artísticas. Ele compara a política pública cultural nacional com exemplos das principais metrópoles mundiais como Madri, Barcelona e Londres, onde a arte no metrô é regulamentada e os artistas podem lucrar com sua apresentação. “O Metrô deveria ser mais flexível”, opina Burgos.

O pesquisador ainda avalia que nos últimos anos a receptividade dos passageiros melhorou. Quanto à compreensão da mensagem do artista, ela é heterogênea. Ele observa que as manifestações artísticas são distintas entre si, e tocam cada pessoa de um jeito diferente, de acordo comas sensibilidades e as crenças de cada um.

Pablo Nomás, violinista da Teko Porã, banda com quatro participantes que canta músicas de resistência nasci-fascista nos vagões paulistanos, quer usar a música de outras culturas para estimular a informação popular a respeito da história mundial. Em uma tarde de sábado, a banda entra no metrô da linha vermelha, prende um cofre por uma corda em uma das estruturas do vagão e canta Come Out Ye’ Black And Tans, música da resistência irlandesa. Enquanto alguns passageiros filmam, uns entregam dinheiro e outros ignoram o som.

O grupo atua com criação coletiva e improvisação. Em nome da banda, Nomás afirma que, a despeito da falta de respaldo do metrô, as performances continuam porque têm retorno. Para ele, as pessoas estão mais abertas e dispostas a sair de um nicho cultural restrito. A abordagem musical da Teko Porã tem a pretensão de suprir a necessidade de conscientização das pessoas em torno de temas chave. “Ser consciente dá trabalho e custa caro, mas a pessoa que não tem cultura é como um homem flácido, que não pratica exercício”, percebe Nomás, que junto da banda está nos metrôs de São Paulo diariamente. Às vezes, tocam Bella Ciao.

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