Quase 80% das cidades brasileiras estão com as contas no vermelho

Passado o segundo turno das eleições, a situação financeira das prefeituras virá à tona. De 3.155 municípios que informaram o quadro de suas finanças ao Tesouro Nacional, 2.442, ou 77,4%, já estão com as contas no vermelho, segundo levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). E a situação vai piorar até o fim do ano, com a contínua queda da arrecadação, deixando a bomba fiscal para a próxima administração.

Ao contrário dos governadores, que alardearam nos últimos meses a crise sem precedentes nos seus cofres para ganhar mais dinheiro do governo federal, as prefeituras empurraram os problemas para debaixo do tapete durante a campanha eleitoral – não é exatamente um trunfo eleitoral mostrar que as finanças estão descontroladas.

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Os futuros prefeitos, que vão herdar o rombo – no caso dos reeleitos, deles mesmos -, fizeram uma romaria nos últimos dias pelos gabinetes do Congresso em busca de dinheiro para 2017. Mas, com o teto de gastos já aplicado ao Orçamento federal do ano que vem, se depararam com uma grande dificuldade em emplacar seus pedidos de emendas aos deputados e senadores.

As informações prestadas pelos municípios ao Tesouro não são obrigatórias. Por isso, boa parte dos 5.570 prefeitos não as enviam. Mesmo assim, o levantamento representa o retrato mais amplo disponível sobre as finanças das prefeituras. Ao analisar por Estados, todos os municípios do Amazonas e do Rio que divulgaram as informações estão no negativo. Em São Paulo, 402 prefeituras registram déficit. No Rio Grande do Sul, o quadro não é muito diferente, com 371 cidades nessa situação.

“A bomba já estourou e vai ficar pior até o final do ano. No período eleitoral, quem vai dizer que está mal?”, diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Segundo a confederação, 576 delas estão atrasando salários.

Fundo menor

A crise se agravou porque os prefeitos contavam com R$ 99 bilhões de repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em 2016, mas a previsão é que esse valor não chegará a R$ 84 bilhões no fim do ano. A queda das transferências da União é mais dramática para Estados do Nordeste e Norte do País, onde boa parte das prefeituras depende desse dinheiro.

As prefeituras também arcam com custos cada vez maiores com a Previdência. No ano passado, a despesa com servidores inativos cresceu 13,22% ante 2014, segundo dados do Tesouro Nacional para municípios acima de 200 mil habitantes. As receitas correntes, por sua vez, subiram apenas 6,81% no período.

“Só vamos saber mesmo a situação quando sentarmos na cadeira”, diz o prefeito eleito de Brejo Grande (SE), Clysmer Ferreira. Membro do PSB, ele era o candidato da oposição no município e esteve no Congresso na última semana para pedir emendas aos parlamentares.

Se para os prefeitos que vão assumir os cargos a perspectiva para o ano que vem não é animadora, para os que estão deixando o cargo com as contas deficitárias o risco é de uma condenação por crime de responsabilidade fiscal. Na avaliação da CNM, muitos prefeitos vão virar ficha- suja. A Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe uma série de práticas nos últimos oito meses do mandato, entre elas deixar ao sucessor restos a pagar a descoberto (sem dinheiro em caixa para honrar o pagamento).

O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e um dos formuladores da LRF, acredita que a sanção é correta, desde que em situação de normalidade econômica. “Não é o caso agora. Seria preciso encontrar uma solução que impedisse uma gastança, mas não levasse a punições de prefeitos por fatores que são alheios à sua atuação.”

Em SP, greves afetam serviços básicos

Greves de servidores e prestadores de serviços por falta de pagamento já paralisam serviços essenciais como saúde, coleta de lixo e até o preparo da merenda escolar em prefeituras do interior de São Paulo. Em outros casos, os próprios municípios suspenderam os serviços por falta de condições financeiras. Os gestores alegam dificuldade para manter em dia os pagamentos devido à queda na arrecadação.

A greve das merendeiras atingiu as escolas estaduais de Marília, na última quinta-feira, quando as funcionárias interromperam o serviço por falta de pagamento do salário. A empresa terceirizada alegou que não tinha recebido o repasse da prefeitura. Com a promessa do pagamento ser feito no dia 25, elas retornaram ao trabalho na sexta. De acordo com o sindicato dos servidores, das 96 merendeiras que atendem a 30 escolas, 60 cruzaram os braços, num movimento inédito na cidade. As mulheres fizeram uma passeata e foram até a Câmara.

Em Cubatão, funcionários do Hospital Municipal saíram em passeata na quinta em protesto contra o atraso nos salários. O atendimento no hospital foi suspenso parcialmente. A prefeitura alegou que o contrato firmado com a gestora prevê que ela tenha capacidade para suportar eventuais atrasos nos repasses.

Uma greve de médicos por atraso de salários paralisou unidades de saúde de Sumaré. O juiz Gilberto Vasconcelos Pereira Neto, da 1.ª Vara Cível, determinou que a Associação Pró-Saúde, contratante dos profissionais, retome os serviços por serem essenciais. A entidade alega que não recebeu os repasses do município de agosto e setembro. A prefeitura informou que, pelo contrato, tem até 90 dias para pagar pelos serviços, mas vai reduzir o prazo.

Atrasos em repasses municipais levaram a Santa Casa de Igarapava a suspender as cirurgias eletivas. Desde que o hospital foi municipalizado o débito chega a quase R$ 300 mil. Sem receber, médicos pediram demissão. A prefeitura, que já foi notificada pelo Ministério Público, alega que os cortes se devem à “severa queda” na receita.

Em Americana, 10% dos 4,4 mil servidores estão em greve há oito dias por atraso nos salários, afetando o atendimento em 11 unidades de saúde, além de prejudicar o funcionamento de oito escolas e seis creches. Os serviços de coleta de lixo, sinalização urbana e limpeza de galerias também foram afetados. A prefeitura fez um depósito de R$ 550 para cada trabalhador e alega que apenas 3 mil ainda têm saldo a receber. O município está em estado de calamidade financeira.

Em Sorocaba, a prefeitura suspendeu a coleta seletiva de lixo em bairro do Além-Linha e desagradou moradores como o aposentado Eduardo Yamamura, de 73 anos, acostumado a separar o material em casa. “É pena, porque agora tudo o que é reciclável vai para o lixo comum.” Já o serralheiro Flávio Augusto, de 39 anos, ficou feliz com o corte de gastos que levou à suspensão do serviço. Com seu carrinho, ele percorre as ruas recolhendo o material reciclável. “Estou desempregado há dois anos e preciso sustentar mulher e dois filhos”, diz. Só de papel e plástico, ele coleta o suficiente para receber R$ 50 por dia.

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