Lei Maria da Penha completa 10 anos com aumento de denúncias

(Foto: Banco de Dados)
(Foto: Banco de Dados)

No ano de 1983, a cearense Maria da Penha Maia Fernandes recebeu um tiro enquanto dormia. A farmacêutica ficou paraplégica e o agressor, seu ex-marido, o professor universitário colombiano Marco Antônio Heredia Viveiros, tentou acobertar o crime, ao alegar que o tiro foi disparado por um ladrão. Foram anos de impunidade até que em 1996 o ex-marido foi condenado. O Brasil foi denunciado na Comissão Interamericana de Direitos  Humanos  da  Organização  dos  Estados  Americanos  (OEA) e em 7 de agosto de 2006 sancionou a Lei Maria da Penha 11.340.

O aniversário da lei traz à tona o combate travado pelas mulheres ao longo dos anos contra agressões promovidas pelos próprios companheiros. A data também concede maior visibilidade ao balanço das ocorrências realizadas pelas mulheres no primeiro semestre de 2016, divulgado recentemente pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. Foram computadas 65.263 ocorrências no primeiro semestre deste ano, 2.584 a mais que o mesmo período de 2015.

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Delegada Renata diz que a mulher ganhou confiança em denunciar (Foto: Divulgação)
Delegada Renata diz que a mulher ganhou confiança em denunciar (Foto: Divulgação)

De acordo com a delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Diadema, Renata Lima de Andrade Cruppi, os números divulgados pela secretaria não significam, necessariamente, o aumento da violência contra a mulher, mas sim do número de denúncias. “A mulher hoje em dia está mais confiante para denunciar. A mídia tem falado mais sobre o tema e a vítima deixa a vergonha de lado. É comum a mulher não querer processar o agressor, pois não quer prejudicá-lo, embora a vida dela esteja prejudicada”, diz.

Ainda segundo a Secretaria da Segurança, o número de homicídios dolosos, quando uma pessoa mata a outra intencionalmente, foi 40, três a menos do que o mesmo período do ano passado. Já o número de tentativas de homicídios aumentou: 149, sendo que o primeiro semestre de 2015 registrou 136 ocorrências. Foram 26.255 denúncias de lesão corporal dolosa este semestre, contra 25.146 no mesmo período do ano passado.

As denúncias de ameaças também tiveram aumento, com 30.015 ocorrências, 747 a mais do que os primeiros seis meses de 2015. Já o número de mulheres vítimas de estupro caiu de 259 para 236.

A delegada afirma que muitas mulheres que dão entrada nos hospitais do ABC não contam a verdade sobre os ferimentos sofridos e que o aumento de denúncias está relacionado com a conscientização da mulher de que ela não é culpada pelas agressões. “A mulher se sente mais respaldada pela lei, se abrindo mais um pouco. Elas procuram mais a delegacia para se informar sobre seus direitos”, diz.

A DDM de Diadema registra crescimento de 20% nos casos de denúncias, com relação ao início do ano passado. Mensalmente, a unidade computa 100 ocorrências, sem contar os atendimentos para as mulheres que querem ter mais informações sobre a Lei Maria da Penha. “Nós esclarecemos para a mulher que ela não ficará desemparada, caso decida denunciar o agressor. Se a vítima precisar retirar seus pertences de casa, ela tem o direito de ser acompanhada por policiais e também receber medidas protetivas”, explica.

As medidas protetivas previstas na lei são o afastamento do agressor da residência ou local de convivência com a vítima; proibição do agressor de se aproximar e contatar a vítima e seus familiares, assim como testemunhas por qualquer meio; obrigação do agressor sobre a pensão alimentícia provisional; e proteção do patrimônio, através de medidas como bloqueios de contas bancárias.

Legislação resultou em 111 mil sentenças

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elabora um levantamento dos efeitos da Lei Maria da Penha após 10 anos de promulgação. O órgão pretende divulgar os dados somente na segunda semana de agosto. De acordo com os últimos números divulgados pela entidade, a Lei Maria da Penha resultou em 111 mil sentenças até julho de 2010, além de ter contabilizado 9.715 prisões em flagrante e 1.577 prisões preventivas.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, no ano passado, estudo de que a lei contribuiu para diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio de mulheres dentro das residências. Os dados para o estudo estão relacionados às agressões letais no Brasil e foram obtidos através do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

De acordo com os registros do SIM, entre 1980 e 2013, 106.093 mulheres foram mortas. O número de vítimas passou de 1.353, em 1980, para 4.762, em 2013 – computando aumento de 252%. A taxa em 1980 era de 2,3 mortes por 100 mil, já em 2013, o resultado passa para 4,8 em 2013 (aumento de 111,1%). Por sua vez, o período de 2006 a 2013, que já contava com a vigência da Lei Maria da Penha, o crescimento do número das vítimas fatais cai para 2,6% ao ano e o da taxa para 1,7% ao ano.

Balanço Disque 180
A Central de Atendimento à Mulher da Secretaria Especial  de Políticas para as Mulheres registrou em 2015 76,6 mil  denúncias de violência, um aumento de 44,74% em comparação com 2014. Foram  relatos  de violência física (50%); psicológica (30%); moral (7%); cárcere  privado (5%); violência sexual (4%); patrimonial (2%); e tráfico de pessoas (0,4%). As negras são a maioria das vítimas  (59%). (LC)

Penha quer mulher no debate de revisão da PLC

Marco Antônio Heredia Viveiros ficou preso por dois anos, enquanto a cearense dava ao Brasil exemplo de perseverança. Até hoje a farmacêutica é engajada na luta contra a agressão da mulher, por meio do Instituto Maria da Penha. Uma das suas últimas participações foi sobre a revisão da Lei Complementar (PLC) 07/2016 da lei, que tramita no Senado.

Penha solicitou aos senadores que esperem para votar o projeto. Segundo ela, “se for aprovado, poderá sofrer ações de inconstitucionalidade, o que não é bom para a lei que leva o meu nome, nem para as mulheres brasileiras. (…) Por isso eu apelo aos senhores senadores e às senhoras senadoras para que o PLC 07/2016 seja mais discutido e que possamos encontrar uma redação que seja consensual”, diz.

O impasse maior está no trecho que autoriza delegados de polícia concederem medidas de proteção às vítimas. Atualmente a proibição cabe apenas ao juiz. De acordo com Michele Savicki, coordenadora de projeto da ong Themis, uma das entidades que fez parte de um Consórcio Nacional de ONGs feministas que ajudaram na proposta inicial da lei Maria da Penha, a revisão da lei precisa ser mais discutida antes de ser votada.

“A lei teve início através de debates, essa revisão está sendo feita de uma maneira em que a mulher não está sendo ouvida. Tem de ser uma questão democrática, com conversas entre as entidades e as mulheres”, opina Savicki.

Projeto Vem Maria dobra atendimento em S.André

O projeto Vem Maria realiza atendimento à mulher em situação de violência doméstica em Santo André. Em 2015, a entidade teve 239 novos casos, 1.050 atendimentos e 81 abrigados (entre mulheres e seus filhos). Mais de 2 mil participaram de oficinas, rodas de conversas e palestras.

Segundo a secretária de Política para Mulheres, Silmara Conchão, o número de atendimentos do Vem Maria praticamente dobrou, se comparado com os registros da entidade há dois anos. “As mulheres estão mais confiantes na busca por justiça e qualidade de vida, não querem mais ser subjugadas e maltratadas. As cidades precisam investir em políticas públicas voltadas para a proteção da mulher”, ressalta.

Vem Maria teve 2398 novos casos (Foto: Divulgação)
Vem Maria teve 2398 novos casos (Foto: Divulgação)

Em São Caetano, o vereador professor Pio Mielo (PMDB) protocolou na Câmara propositura em que solicita implantação da Patrulha Maria da Penha, com objetivo de dar mais proteção às mulheres em situação de violência.

Já em Mauá, as vítimas de violência podem procurar apoio no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e no Núcleo de Atenção à Violência Sexual (NAVIS), localizados à rua Avaré, 62, Matriz, e à rua Luís Lacava, 229, Centro, respectivamente.

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