A prisão, em 1º de abril, do empresário Ronan Maria Pinto, dono do jornal Diário do Grande ABC, estabeleceu a primeira ligação entre o esquema de corrupção na Petrobras e o caso Celso Daniel. À frente das investigações sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo André, o promotor de Justiça Roberto Wider Filho (foto) acredita que Ronan possa ajudar a esclarecer lacunas ainda não preenchidas – que impedem um desfecho do caso, que está há 14 anos sem resposta definitiva.
A Operação Lava Jato prendeu o empresário Ronan Maria Pinto e trouxe novamente à tona o caso Celso Daniel. De que forma essas investigações vão impactar no seu trabalho?
Roberto Wider Filho – Me parece que temos o crime de chantagem contra o presidente da República. O que interessa a Santo André é: provando que houve chantagem, saber qual o objeto da chantagem, o qual foi o fato que o Ronan ameaçou divulgar e que pra isso ele foi remunerado. Esse fato, sim, me parece deve estar bastante relacionado ao nosso esquema de corrupção, ou à morte do Celso Daniel. Isso porque a morte do Celso Daniel, segundo a versão do Ministério Público, ocorreu em razão de um desarranjo do esquema de corrupção, do qual Ronan Maria Pinto participava. Não podermos dizer que o Gilberto Carvalho e o José Dirceu participavam porque o STF (Supremo Tribunal Federal) não deixou investigar, mas há notícias de participação destes dois como beneficiários…
Foi uma surpresa a prisão do Ronan na Lava Jato?
Wider – Não vejo com surpresa agora porque essa atuação da Lava Jato aqui na cidade, no Diário do Grande ABC, envolvendo o Ronan Maria Pinto, deriva de um depoimento prestado por Marcos Valério sobre a extorsão. Aquele depoimento sim me trouxe mais surpresa, pela ousadia. O que o Marcos Valério relata ali é que o Ronan Maria Pinto praticou crime de extorsão contra o presidente da República, contra o José Dirceu e o Gilberto Carvalho, que foram ministros naquela época. E que recebeu R$ 6 milhões, uma notícia surpreendente naquela oportunidade em que o Marcos Valério prestou depoimento, logo depois da condenação dele no Mensalão. Quando a Lava Jato prende o José Carlos Bumlai e começa a investigar as relações comerciais do Bumlai, aí já não causa mais surpresa. O que o MP federal fez? Provou que houve o pagamento daquele valor que o Marcos Valério dizia que era de extorsão.
É possível traçar um paralelo entre o esquema de corrupção em Santo André na época e o petrolão?
Wider – A corrupção aqui se estendeu de uma forma sistemática, como lá. Uma das coisas que a gente apurou aqui, por exemplo: quando o Ronan assumiu o jornal, o veículo passou a ter uma verba de publicidade extraordinária, inclusive da Petrobras. É uma forma de administrar diferente. Tudo se envolve e aqui em Santo André a gente verificou isso. Encontramos corrupção em obras públicas, em lixo, em transporte público. Existia também um esquema de fraude de licitação em firma terceirizada de segurança, que não tinha nenhuma relação com o serviço e teve a certa altura como seu escritório a sede de uma empresa do Ronan.
Quais são as principais lacunas do caso Celso Daniel?
Wider – Quando nós oferecemos denúncia contra o Sérgio Gomes da Silva, colocamos que ele foi um dos mandantes. Mas os promotores que fizeram a investigação têm plena convicção e convencimento de que o Sérgio não é o único mandante do crime. Existem outras pessoas que, junto com o Sombra, planejaram e determinaram a execução do Celso Daniel. Só que nós não temos provas contras essas outras pessoas. Temos até indícios, mas não indícios suficientes para oferecimento de uma denúncia. Essa é a lacuna maior do caso Celso Daniel. Se o Ronan colaborar com isso, será muito bem-vindo. Eu nunca perdi as esperanças de identificar outras pessoas como mandantes do caso Celso Daniel. Outra questão grande é a razão da tortura do Celso Daniel. Ele foi vítima de uma tortura clássica, que é simulação de morte, simular um homicídio. Agora, quem torturou e qual foi a informação que eles queriam, essa é outra das lacunas.
Por que essas questões até hoje estão sem solução?
Wider – Evoluímos muito nesse trabalho de investigação, mas restaram ainda dúvidas bastante significativas, talvez as mais importantes, mas que sem a colaboração de alguém não tem como elucidar. O Sérgio praticou atos com a mão própria, no momento do arrebatamento do Celso Daniel, ele entregou o Celso Daniel para os sequestradores. E isso eu consegui provar. Agora, o que aconteceu em salas, apartamentos e reuniões, que ninguém foi identificado e colaborou é difícil. O que aconteceu no momento em que ele estava sendo torturado, já que a gente não identificou ninguém que estava presente nesse momento?
O que mais falta esclarecer?
Wider – A terceira questão é quem matou o Celso Daniel efetivamente. A Polícia apresentou como autor um adolescente, mas há diversos indícios que não foi ele. A forma como o adolescente diz que matou não é condizente com as lesões que o prefeito sofreu. É como, por exemplo, um sujeito que fala: “matei o fulano com uma facada nas costas” e a vítima tem um tiro no peito. A dinâmica da morte como o adolescente falou não está de acordo com o laudo. Ou ele está mentindo ou não foi ele quem matou. Nós ouvimos esse adolescente inúmeras vezes e inúmeras vezes ele mudou a versão. Cada vez que ele era ouvido falava uma versão diferente, de modo que nenhuma das sete é válida. Não tem credibilidade nenhuma.
Qual a chance de Ronan fazer uma delação?
Wider – O Ministério Público Federal (MPF) tem uma expertise em colaboração que nós não temos aqui no Estado de São Paulo, infelizmente. Até na minha atuação no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) eu tive casos de colaboração, mas eles foram eventuais, não foram tão sistemáticos e tão frequentes quanto nós temos visto nessa Operação Lava Jato. Temos de deixar e confiar ao Ministério Público Federal o encaminhamento dessa apuração e eventual colaboração na seara da Justiça Federal.
Morte de ex-prefeito completou 14 anos
O corpo de Celso Daniel (foto) foi encontrado no dia 20 de janeiro de 2002 numa estrada de terra em Juquitiba, na região metropolitana de São Paulo, crivado por oito tiros, após dois dias de sequestro. O ex-prefeito foi morto aos 50 anos de idade e estava no auge da carreira política. Celso era cotado para ocupar cargo no governo federal caso Lula fosse eleito presidente naquele ano.
O ex-prefeito de Santo André foi levado na noite de 18 de janeiro, uma sexta-feira, enquanto ele estava numa Pajero dirigida por Sérgio Gomes da Silva, o Sombra. A conclusão da Polícia Civil é que Celso foi vítima de crime comum, o que contraria a versão de crime político defendida pelo Ministério Público e pela família. O caso chegou a ser abordado na CPI dos Bingos, na Câmara dos Deputados.
A 27ª fase da Operação Lava Jato, batizada da Carbono 14, reacenderam as esperanças de familiares que buscam esclarecimento do caso. “A Lava Jato, nesta etapa Carbono 14, pode lançar luz sobre o que aconteceu naquela época”, afirma Bruno Daniel, irmão do ex-prefeito.
Bruno Daniel acredita que Ronan Maria Pinto teria informações sobre a morte de seu irmão e que obteve recursos ao chantagear dirigentes petistas para manter o silêncio. “Imagino que ele (Ronan) tenha chantageado essas pessoas porque ele revelaria coisas relativas ao assassinato do Celso”, afirmou o irmão do ex-prefeito.
Além de Celso, mais sete pessoas que teriam relação indireta com o caso morreram, como o garçom Antônio Palácio de Oliveira, que serviu o prefeito e Sérgio Sombra no restaurante Rubaiyat, em 18 de janeiro de 2002 e o legista Carlos Delmonte Printes – encontrado morto em 12 de outubro de 2005 – que constatou, na época, que o petista havia sido torturado.