“Escola tem que ensinar respeito à diversidade”, diz secretário de Educação

Secretário defende texto do Plano Municipal de Educação

A Câmara de Santo André vai votar nesta terça-feira (30) o Plano Municipal de Educação (PME), conjunto de metas e objetivos para a área nos próximos dez anos. Assim como aconteceu em outras cidades do país, a votação em Santo André ocorre em meio a polêmica sobre a abordagem dada a temas como diversidade e gênero – apesar de este termo não estar presente no projeto de lei.

Grupos religiosos querem que itens do texto sejam alterados e alegam que o PME abre brecha para o ensino da chamada “ideologia de gênero”. O grupo “Eu Sou Família”, um dos movimentos engajados no tema, define essa ideologia como conceito de que “o ser humano nasceria sexualmente neutro, do ponto de vista psíquico, e seria constituído socialmente homem ou mulher de acordo com sua vontade”.

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Em entrevista ao RD, o secretário de Educação de Santo André, Gilmar Silvério, garante que o Plano Municipal não tem viés ideológico. “A questão é de respeito [à diversidade], não é de doutrinar para isso ou para aquilo”, garante. “Está na nossa Constituição e o que a escola tem que fazer é seguir o que são os fundamentos da República”.

Qual a sua avaliação sobre a polêmica que tem envolvido o Plano Municipal de Educação?
Eu não esperava uma reação dessas nos planos municipais, porque esse debate já aconteceu em nível nacional, quando foi discutido o Plano Nacional de Educação (PNE). Foi uma discussão já superada em âmbito nacional, chegou-se a um consenso de redação no Plano Nacional de Educação. O que os municípios fizeram foi reproduzir as diretrizes nacionais e que são expressas no PNE, que por sua vez expressa o que está na Constituição Brasileira.

Grupos que pedem mudanças no Plano Municipal alegam que termos como “gênero” e “diversidade” abrem brecha para o ensino com viés ideológico, que poderia influenciar na sexualidade das crianças.
Os nossos professores têm que ensinar valores de respeito às diversidades. Respeitar o deficiente físico, o obeso, a pessoa idosa, o homossexual. A questão é de respeito, não é de doutrinar para isso ou para aquilo. Homem é homem, mulher é mulher. Todos têm os mesmos direitos, são iguais. O que queremos é uma sociedade tolerante, que respeita as diferenças e que as crianças, jovens e adultos, aprendam com as diferenças. Isso que faz a gente ficar cada vez mais humano.

A escola não pode se eximir de trabalhar com a diversidade. É papel da educação. Qualquer pessoa que se forme em pedagogia, ela é formada em sala de aula para trabalhar a questão da diversidade. Ela sabe que vai encontrar uma sala de aula com negro, com branco, com oriental, com homens, com mulheres, pobres e ricos, e muitas vezes até com homossexuais mesmo. Eu fui professor de vários alunos que são homossexuais. E claro que as pessoas têm que ser respeitadas na sua individualidade, nossa Constituição diz isso.

A Constituição diz que a individualidade das pessoas é inviolável e não permite intolerância de qualquer grau. O que nós estamos falando é de ter uma sociedade que aceite as diversidades. Temos que batalhar, se quisermos de fato ter uma sociedade justa, igualitária, sem violência, temos que levar valores para sala de aula.

O PME permite o ensino da chamada “ideologia de gênero” nas escolas, como dizem movimentos religiosos?
Tanto o Plano Nacional quanto o Plano Municipal em nenhum momento tratam de ideologia de gênero. Nós falamos é de respeito à diversidade. Se a gente abrir mão do respeito à diversidade, a sociedade vira um caos. Não só a questão sexual, é do negro, da mulher, do idoso…

Como o tema da diversidade deve ser discutido nas escolas?
Temos aqui um programa que chama “Quem ama, abraça”. Tendo em vista o grande número de violência doméstica e infantil nos lares brasileiros, não tem como a gente não levar para as salas de aulas, para criar valores humanitários em nossas crianças, que as pessoas devem ser respeitadas independentemente do seu sexo, se for homem ou mulher. As pessoas têm direitos iguais.

As nossas crianças têm que crescer com essa visão, com esse valor de que tem que ter igualdade de gênero. Várias escolas do Brasil tem esse programa, que é nacional, onde nossas crianças discutem a questão de gênero para diminuir a violência doméstica no Brasil.

Qual será o impacto no ensino escolar caso os vereadores de Santo André decidam suprimir palavras como “diversidade” e “discriminação”?
Se retirar expressões de “diversidade” e “direitos humanos” é um retrocesso para o município. Não afeta nada o dia a dia da escola, porque não muda as nossas metas e não altera nenhuma estratégia estabelecida no Plano. Do ponto de vista de reforçar alguns valores, acho que é um prejuízo. Quando você tira do Plano Nacional que a escola tem que trabalhar com a questão da igualdade entre gêneros, com a diversidade, você empobrece o plano.

Alguns vereadores dizem que o projeto não foi discutido antes de chegar na Câmara e até propuseram adiar a votação para o segundo semestre. Faltou debater o texto com a sociedade?
Desde que foi aprovado o Plano Nacional, em 24 de junho de 2014, nós já começamos a mobilizar a sociedade para discutir o Plano. Em 2014 fizemos um grande movimento pela qualidade social da educação. Tivemos vários encontros regionalmente, dividimos a cidade por cinco grandes regiões e fomos debater o que era qualidade da educação, já nos preparando para a discussão do Plano Municipal de Educação.

Na sequência, no mês de janeiro, já começamos a fazer os primeiros encontros para elaborar o diagnóstico do município. Esse encontro foi organizado pelo Fórum Municipal de Educação, que puxou todas as discussões sobre o Plano Municipal de Educação em Santo André.

Todos os atores da cidade foram chamados e fazem parte do Fórum Municipal, que é a estância que organizou todos os preparativos no tocante à elaboração do PME. Desde janeiro estamos discutindo.

Fizemos quatro pré-conferencias para discutir o tema, também dividindo a cidade em quatro regiões para facilitar ao acesso das pessoas nessas discussões. Fechamos com uma grande conferência em 25 de abril de 2015, onde alguns pontos que ainda não tinham sido consensuados e ele foi votado por unanimidade. Daí foi enviado para a Câmara no dia 21 de maio.

Grupos religiosos defendem que temas como sexualidade devem ser tratados pela família e não pela escola. Na visão desses movimentos, a discussão desse tema no ambiente escolar seria uma intromissão.
Há uma confusão. A escola tem que ensinar os alunos a respeitar as diferenças, é inerente à Educação ensinar o respeito à diversidade. A educação é feita pela família, pela escola, pela sociedade. É função do Estado, da família e da escola educar. Não dá pra dizer “isso aqui é da escola”, “isso aqui é da família”. Se misturam, não tem como dividir.

Os professores aprendem na universidade que a sala de aula dele é um espaço privilegiado para trabalhar as questões das desigualdades, da diversidade, não tem como não entrar nesse assunto.

Ações como o “Quem ama, abraça” ocorrem em todas as salas de aula da rede municipal de ensino?
Todas. Desde quando a criança nasce até a hora da morte, ela tem que respeitar os outros. A Constituição Brasileira fala que nós temos que respeitar. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil tem que ser também objetivo da escola, que é promover o bem de todos. O artigo 3º da Constituição fala que o objetivo fundamental da República é promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, idade. Está na nossa Constituição e o que a escola tem que fazer é seguir o que são os fundamentos da República.

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