A culpa não é de São Pedro

Prof. Dr. Murilo Andrade Valle é hidrogeólogo e docente do Centro Universitário Fundação Santo André. (Foto: Banco de Dados)

Uma crise está estabelecida quando um determinado problema tem um conjunto de variáveis as quais, em sua maioria, não são controladas. É o caso da crise da água que assola nosso Estado. O governo, sistematicamente, tem culpado à falta de chuva como variável principal, mas na verdade não é! O grande problema é de ordem político-administrativa e não de ordem técnica, a partir do momento que as influências e interferências políticas na gestão dos recursos hídricos faz com que planejamentos e obras de infraestrutura não tenham sucesso no tempo e no espaço. Considerando a existência de inúmeros indicadores demográficos, sociais e ambientais, notadamente pode-se inferir que os investimentos e os cronogramas de obras de infraestrutura não são adequadamente cumpridos, pois se fossem a população não estaria enfrentando a presente crise.

O Estado de São Paulo conta com importantes centros de pesquisa que estudam e interpretam os referenciais climáticos nas últimas décadas, dentre os quais a chuva e, por isso, esta variável não pode ser elemento surpresa no planejamento estratégico do uso da água. O modelo de gerenciamento adotado em São Paulo destaca um problema conceitual: o Estado fiscaliza ele mesmo. Nestes termos, as medidas de aumento de capacidade de reservatórios, proteção aos mananciais, controle do uso e de ocupação do solo, dentre outras, perdem-se nos redemoinhos políticos, e permanecem desatreladas dos necessários aspectos técnicos. Entender uma bacia hidrográfica tendo como referencial que a água é um “bem” e não um “produto” é a premissa mínima que se deveria ter em qualquer plano de gerenciamento. Entretanto, parece-me que “vender” água é a condição prioritária, pois a Sabesp possui ações na Bolsa de Valores.

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As medidas atuais adotadas pelo Estado são paliativas e visam resolver os problemas de curto prazo, não obstante, dentre elas, a redução da pressão da água pode ser eficiente no quesito controle do volume, porém oferece riscos à população. Cerca de 30% da água aduzida nas tubulações paulistas é perdida em vazamentos na rede de distribuição, número assustador, sobretudo em situação de crise. Entretanto, quando a pressão da água é diminuída no sistema, pode-se ter inversão de fluxo, ou seja, águas circunvizinhas às tubulações infiltram no sistema nos pontos de vazamentos. Se o trecho onde o vazamento ocorrer estiver assolado por algum problema de contaminação (Cetesb aponta 4.771 áreas em 2013), certamente a população usuária poderá sofrer.

A falta dágua em nossa região é motivo de muita preocupação, pois a maioria das atividades que sustentam o PIB regional é diretamente dependente da água. O Estado está atrasado. Para aliviar a dependência do sistema Cantareira, medidas para reaproveitamento da água de chuva e esgoto tratado, principalmente para suprir a indústria e irrigação, já deveriam estar implementadas há muito tempo. A preocupação principal não é a falta de chuva, mas a grande probabilidade de todas as ações planejadas e aprovadas sofrerem atrasos por causa das influências políticas.

Prof. Dr. Murilo Andrade Valle é hidrogeólogo e docente do Centro Universitário Fundação Santo André.
 

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