Violência impera onde o Estado é ausente, adverte Balico

A onda de violência que assola todo o Estado de São Paulo, desde o início de outubro, já atingiu cerca de 200 civis e mais de 90 policiais. Na tentativa de frear o crescimento do número de homicídios e atentados, o governador Geraldo Alckmin e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, firmaram dia 12 um acordo com cinco ações integradas: a contenção da violência nas fronteiras do País, o combate ao tráfico de drogas, ações penitenciárias (como transferência de presos líderes de facções criminosas para presídios federais) e a criação de um centro de controle de comando integrado e de um centro pericial.

Em entrevista ao RDtv, Vladimir Balico, professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito de São Bernardo e oficial de Justiça Avaliador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, endossa a tese de que a onda de violência é fruto de quebra de acordo entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e forças policiais, e destacou o estrangulamento financeiro da facção, por meio do combate ao tráfico de drogas, como a saída para reduzir os ataques.

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Segundo o especialista, ainda que de difícil aceitação pela sociedade, a hipótese de negociar o fim da onda de violência com a organização criminosa, a exemplo do que ocorreu em 2006, não deve ser descartada. “A ideia inicial seria prevenção. O que não se pode prevenir, combate-se. O que não se pode combater, negocie-se”, diz.

Balico defende a criação de um observatório da segurança no ABC, para pontuar onde e por que ocorrem delitos e sugerir ações, na esfera política e social, de combate à criminalidade. Além disso, discute os fatores que poderiam diminuir o tempo do processo criminal, e aponta a intervenção em áreas de maior vulnerabilidade social como medida eficaz de enfrentamento à violência. “A presença do Estado, com serviços de saúde, saneamento básico, mais escolas, iluminação pública, ajuda muito mais do que políticas de combate”, afirma.

A situação dos presídios e a descriminalização e despenalização de crimes “sem violência”, como furto ou estelionato, também foram comentados pelo professor. “Quando você coloca um preso por furto simples dentro do sistema prisional brasileiro, ele sai de lá com PhD em extorsão mediante sequestro. É um desserviço prender pessoas por crimes de menos importância”, avalia.

Confira a entrevista na íntegra:

RD: Desde outubro, mais de 200 pessoas morreram em consequência da violência em São Paulo. Como você vê essa onda de crimes e quais as razões para a sua ocorrência?

Vladimir Balico: A violência no Brasil é fruto de uma série de eventos. Notadamente, nos últimos tempos, a questão é que o PCC (Primeiro Comando da Capital) está retaliando as ações do Estado contra a própria organização. Mas, na verdade, não é tudo isso que estão dizendo por aí. A maior parte dos casos não é fruto nem da atuação da polícia, nem do PCC.

RD: Essa onda de violência é pontual, por conta desse conflito entre a polícia e o crime organizado, ou os índices de violência no Estado estão, digamos, em destaque no cenário nacional e mundial?

Balico: Existe esse confronto entre o PCC e a polícia, isso é verdade. O índice [de criminalidade] aumentou, desde o final de maio, quando começaram as respostas aos atos da organização criminosa, mas isso é pontual e fruto de um acordo [quebrado], feito entre o PCC e o Estado. Mas em outras décadas, já tivemos índices mais elevados, com o dobro de mortes que vemos agora, e nem por isso se falava em violência ou em organização criminosa. Portanto, é um fato pontual.

RD: Como o advogado pode ajudar na discussão da violência junto à sociedade organizada?

Balico: A principal função de todo educador é esclarecer, ter a exata dimensão do que está acontecendo e quais são as medidas possíveis, dentro da nossa área, para a defesa dos menos favorecidos. Mas a grande atuação, a meu ver, pertence ao Estado. As medidas mais efetivas não são jurídicas. Isso já foi demonstrado em Nova York e na Colômbia. As medidas mais efetivas são políticas e sociais. Não é fazendo lei ou matando que vão resolver os problemas.

RD: Qual seria um exemplo dessas medidas?

Balico: O que tem feito sucesso é a questão da iluminação pública, a abertura de escolas durante o fim de semana e a presença das três esferas do Estado nas comunidades mais carentes, que é onde se tem o maior índice de violência. Nesses locais, onde o Estado está mais presente, a criminalidade é diminuída.

RD: O próprio nome diz: crime organizado. E o Estado, está organizado?

Balico: O Estado é desorganizado, mas tem tentado se organizar. Este acordo feito agora entre o governo federal e estadual é prova disso. Essas medidas são uma forma de se combater a essas organizações criminosas.

RD: Em sua opinião, o Estado tem de negociar com o crime organizado?

Balico: É difícil. A cultura brasileira dificilmente admitiria esse tipo de acordo. Nos EUA, mais de 90% dos casos são resolvidos por meio de acordos que o promotor faz com o preso. Mas no Brasil fica difícil de imaginar, por exemplo, o promotor de Justiça negociando com o Fernandinho Beira-Mar [líder da facção criminosa Comando Vermelho, no Rio de Janeiro]. A nossa lei já foi assim. Até 2006, a Lei de Drogas previa essa negociação da polícia com o traficante. Mas diante da cultura latina não se sentir bem com isso, a nova lei (nº 11.343) não permite mais esse tipo de negociação.

RD: Mas como negociar e ao mesmo tempo combater?

Balico: Negocia-se o que não se pode combater. A ideia inicial seria prevenção. O que não se pode prevenir, combate-se. O que não se pode combater… Se não pode com eles, negocie com eles.

RD: Hoje, a Justiça demora muito para achar o autor do crime e os presídios estão lotados. Como diminuir esse tempo do processo criminal e ao mesmo tempo abrir vagas nos presídios?

Balico: Isso já se discutiu bastante, e a solução para diminuir o tempo processual – ou seja, o tempo em que há o crime, a condenação e o cumprimento da pena pelo acusado – é a redução de recursos. Há uma série de recursos que procrastinam esse processo, que está sendo usado, por exemplo, agora no caso do goleiro Bruno. Essa redução nos recursos sem ferir as garantias constitucionais, é um dos caminhos para se reduzir esse prazo. Outro ponto interessante seria a descriminalização e a despenalização de determinados crimes que não têm violência, como furtos simples, estelionato de pequena multa, que estão abarrotando os presídios sem necessidade. Quando você coloca um preso por furto simples dentro do sistema prisional brasileiro, ele sai de lá com PhD em extorsão mediante sequestro. Então, é um desserviço prender pessoas por crimes de menos importância.

RD: O crime organizado tem um ponto chave que é a questão do tráfico de drogas. Como combater o tráfico e fazer com que a pessoas menos favorecida, principalmente nos núcleos habitacionais mais distantes, não valorize a vida do criminoso em detrimento de olhar para profissões liberais?

Balico: Uma das formas de combater o tráfico é esse acordo que o governo [estadual e federal] fez, de evitar a entrada de drogas e armas dentro do nosso território, que é o que movimenta o tráfico dentro de São Paulo. Outra ação interessante que o Estado deveria fazer é participar mais da vida dentro das comunidades. A presença do Estado, com posto de saúde, saneamento básico, mais escolas, iluminação pública, isso ajudaria muito mais do que políticas de combate, porque aquele menos favorecido, que é hoje o caldo do crime organizado, ele estaria mais pautado pela atuação mais ética, digna e cidadã. A ausência do Estado é o que permite a atuação do crime organizado.

RD: Qual seria o papel do prefeito dentro da Segurança Pública?

Balico: Cada nível do Estado tem a sua área de atuação, e dentro da sua área de manobra, tanto o presidente, o governador ou o prefeito deve se pautar pela presença do Estado nas comunidades mais carentes, que é onde existem os maiores índices de criminalidade.

RD: Qual seria o papel da academia na discussão sobre segurança?

Balico: Seria a criação de observatórios, de núcleos de estudos sobre violência, para pontuar onde ocorre e por que ocorre, e sugerir ações, tanto na esfera política quanto social, de combate ou diminuição ao máximo esses índices de criminalidade.

RD: Em sua opinião, deveria ter um observatório da segurança aqui na região? Isso é discutido pela academia?

Balico: Não, mas é uma necessidade. A USP já tem um núcleo de estudos, mas é importantíssimo o ABC crie esse tipo de observatório.

(Colaborou Cíntia Alves)

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